quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Dois Amigos

(Um menino encontra-se sentado no meio do palco, de costas para a platéia. O seu sentar beira o deitar. Mexe um dos pés com triste leveza. Entra uma menina, com uniforme escolar, mochila nas costas e merendeira nos ombros. Na hora exata que a menina surge, o menino radia alegria, levantando-se.)

MENINO - Que bom que você veio, precisava te ver!
MENINA - Por acaso pensava que'u não vinha? Esquecei que você é meu amigo, que te prometi aquilo tudo?
MENINO (Um pouco sem jeito) - Não, não foi isso que eu pensei... É que, sei lá... Às vezes não tenho certeza das minhas próprias certezas...
(Curta pausa. O menino desvia o olhar da menina)
MENINA - Pois... Pois tenha certeza! (Prestativa) Sempre estarei aqui pro que você precisar!
MENINO (Sorrindo) - Obrigado, você é minha única amiga.
MENINA - Pois então, que eu seja a sua MELHOR amiga!
(Os dois trocam sorrisos)
MENINA - Vem cá, por que você estava triste antes d`eu chegar?
MENINO (Disfarçando) - Eu não tava triste, eu só tava...
MENINA - Ei, será que você ainda não percebeu que eu sou sua amiga, que eu sei quando você não tá legal?
MENINO - Hum...
MENINA - Então? O que você me diz?
MENINO - Eu tinha voltado pra casa, mas, não tinha ninguém lá... Fui até a cozinha; (Empolgado) o biscoito de caramelo que eu mais amo tava na minha frente! Comecei a comer, estava muito feliz! (Desestimulado) De repente, minha mãe entrou na cozinha... Eu não percebi sua presença, só quando ela começou a gritar, tentando me bater. Ela gritava sobre os biscoitos, me chamava pelo nome todo, toda enfurecida... (Decepcionado) Ela nem disse que sentiu minha falta, que eu precisava tomar banho...
MENINA (Contempla o sofrimento do menino; reage desconsertada) - ... Ei! Olha só! (Abre a merendeira e tira um biscoito) Eu também gosto de biscoito de caramelo! (O menino corre em sua direção, pára na frente da menina) Não estava com vontade de comer no recreio, você quer?
MENINO (Responde com um grande sorriso, continua a responder) - Você é mesmo a minha melhor amiga! (Abraça a menina, que revela surpresa. A menina acaba respondendo, fortalecendo o abraço e fechando os olhos)
MENINO - Vem comigo! (Arrasta a menina pelas mãos, saem correndo juntos. Chegam até o local desejado; a iluminação verde se apossa do palco sugerindo um liso e grande gramado)
MENINO - Eu amo esse lugar. Daqui a gente pode ver as nuvens bem melhor. Você gosta de ver as nuvens?
MENINA - Quem não gosta? Eu amo ver as nuvens!
(O menino deita na grama, conduzindo a menina a fazer o mesmo)
MENINA - Nossa... A gente realmente vê as nuvens muito melhor daqui!
(Começam a surgir grandes nuvens brancas, exatamente como as crianças vão dizendo, que desfilam céu afora)
MENINA - Você está vendo? É um ursinho! Que lindo!
MENINO - Sim! Ele é realmente bonito! E engraçadinho...
(Sorriem juntos)
MENINA - Que legal! Tem um cavalinho, também!
MENINO - Sim!
MENINA - E um porquinho!
MENINO - E uma tartaruga!
MENINA - E um coelhinho! (Ri) Que legal!
(Pausa curta)
MENINO - Tem um jacaré ali, também!
MENINA (Senta. Debochada) - Jacaré?
MENINO (Sem graça) - É... Ali, um jacaré...
MENINA (Convicta) - Impossível.
MENINO (Ainda sem graça) - Impossível?
MENINA - Sim, impossível. Ninguém colocaria um bicho tão feio, grande e feroz perto de animais tão bonitinhos e legais! (Começa a deitar de volta)
MENINO (Desconsertado, tentando mostrar firmeza na sua resposta) - Ah, é mesmo! Como eu pude me esquecer! Jacaré...
(Pausa curta)
MENINO - E agora, que animal você vê?
MENINA - Não consigo ver direito...
MENINO - É... Nem eu.
(O menino se dá conta que a menina está, na verdade, observando-o. Fica um pouco nervoso. Olha para a menina. Os dois se olham fixamente. Com uma fúria serena se beijam, ingenuamente. As luzes se apagam)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

no verde

me vejo assim
esverdeando
por todo lado
por toda hora
completamente levado
doado
eu olho a grama
e me encontro
eu olho pra cima
e me vejo
e eu nunca esperei
me encontrar tanto
e todo esse encanto
é assim
me vendo
me encontrando
esverdeando

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Mais do mesmo

Eu gosto de almoçar assim: em silêncio. Quase nunca meu desejo se realiza; a televisão grita no pé do meu ouvido, o telefone torra as últimas gramas da minha paciência. Mas, eu continuo comendo.

Acordo teoricamente às cinco mas só toco o chão gelado às seis e quinze. Assim, mantenho meu saudável atraso. Não sinto o gosto da manteiga amarelando o pão, nem do leite do queijo: escovo os dentes e corro para o coletivo.

Nesse outro mundo, velhas notícias. Vendedores anunciam suas ofertas e nós, sentados, ouvimos. O cobrador namora os minutos no seu relógio de ponteiros. Eu olho as ruas. Uns dormem. Depois de um tempo, todos contribuem para o silêncio.

Na empresa, inicio com o velho “bom dia”. Poderia propor uma indagação, cultivar uma indagação… Não. Fico com a afirmação, com a falsa constatação. Assim é mais fácil, mais acessível; poucos são os que estão preparados ou dispostos a novas palavras, a surpresas, a mudanças – Bom dia.

Metade do expediente. Sou atraído ao refeitório e acompanho centenas de “colegas”. Entro na fila; apanho o purê fantasiado de gosma, o arroz quase cru e uma concha de feijão, que só com meu olhar, fica mais azedo ainda.

Sento na grande mesa. Velha amiga… Tiro o celular, coloco em cima da mesa. A televisão ecoa um monólogo, alguns conversam, todos comem. Começo a comer e a cada garfada penso: amanhã terei mais, do mesmo.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Amizade podada

Bernardo. Esse era o nome do menino que tinha uma tesoura como sua melhor amiga. Tudo, porém, mudou. Bernardo não sabia que essa amizade seria alterada pelo resto de sua vida. Assim, o inesperado aconteceu.

Ao amolar a tesoura, aquela noite que parecia ser apenas mais uma acabou se mostrando uma noite estrelada. Bernardo amolava a amiga com força e tesão, demostrando sua ira de apaixonado. A tesoura, entretanto, gritava. Cada faísca jorrava como uma lágrima. O esfrega-esfrega na pedra de amolar, tornava, a cada segundo, mais tensa a amizade.

De repente, um grito. Dessa vez, não era da tesoura. Um “ai” ecoou com uma infinidade de vogais. Depois, uma outra palavrinha – um palavrão. O porão agora era preenchido por suspiros ofegantes. Ao amolar a faca, o menino aplicara demasiada força que assassinou a amiga – essa reagiu provocando um grande corte em sua pequena mão.

No meio de tanto sangue e calor, Bernardo tentava se concentrar na dor, que parecia dominar todo o seu corpo. O sangue começou a se envergonhar. O menino impedia que mais líquido se propagasse apertando a mão ensanguentada contra a mão ilesa. Até que o sangue parou de mostrar as caras.

A tesoura, morta, não dizia nenhuma palavra – o que provocou em Bernardo a fixação do silêncio. O menino perguntava o porquê daquilo tudo, o porquê da agressão da amiga. Sentado no chão empoeirado, avistou uma folha que parecia ser a única testemunha do crime que cometera. Então o menino fechou os olhos e entendeu que aquela folha só estava deitada no chão por sua causa.

A folha tinha uma vida normal e saudável fincada na sua mãe árvore. Agora, em vez de pássaros e frutos, via poeira. Bernardo, por mais incrível que isso soe, enxergava o flashback da folha – parecia que a verdinha sussurava palavras em seu ouvido e projetava imagens na sua mente.

Ao abrir os olhos, Bernardo parecia ter acordado de um grande sonho. Mas percebeu que tudo era verdade: a tesoura estava quebrada, sua mão cortada e a folha empoeirada. Decidiu sair daquele ambiente criminoso, decidiu sair daquela vida. Ao deixar o porão e subir as escadas, Bernardo viu uma grande árvore podada através da janela da sala. Enquanto fitava-a, dizia que queria uma amizade com ela, uma amizade que não fosse podada e sim florida. Florida e folheada.

Nós

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18 anos, soteropolitano e feliz.

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