Linhas Cruzadas

(Segmento de linha férrea. Silêncio. Vazio. Essa é a visão central de um homem sentado nos trilhos. Sua vestimenta é desgastada pelo tempo, assim como suas aparência e expressão. Eis que surge um rapaz: jovem e determinado. Carrega consigo uma mala executiva, combinando com o preto da sua elegante roupa. A serenidade de sua gravata destoa do conjunto.)

JOVEM - (PARA AO LADO DO OUTRO HOMEM, OLHA AO REDOR) É isso?

VELHO - (OLHA PARA O HOMEM) Boa tarde, senhor.

JOVEM - Boa tarde... (...) Então, é esse o tal lugar?

VELHO - Temo que sim.

(O JOVEM ESBOÇA UMA CARETA E ESCAPA UNS RESMUNGOS)

VELHO – Mas... muitos também seguem adiante.

JOVEM - Sei.

VELHO - Você pode continuar. Talvez hoje seja seu dia de sorte. Ninguém veio por aqui.

JOVEM - Será que isso é bom?

VELHO - Não estou aqui para avaliar nada.

JOVEM - (MEDE O HOMEM DE CIMA A BAIXO) Acho que posso ver isso.

VELHO - O que mais você acha?

JOVEM - O que eu acho? (...) Ei, quem é você para me perguntar o que eu acho?

VELHO - Será que isso importa?

JOVEM - Certo. Era só o que me faltava: um mendigo filósofo no meio do nada. (IRÔNICO) Acho que é mesmo meu dia de sorte.

VELHO - Você acha muito.

JOVEM - Haha! Eu acho é que você não tem o que fazer.

VELHO - (PARA SI) Está achando de novo...

JOVEM - Eu ouvi!

VELHO - (PARA SI NOVAMENTE) Boa audição...

JOVEM - Dá um tempo! Eu vou é embora daqui!

VELHO - (DE NOVO) Nervoso...

JOVEM - É melhor o senhor calar sua boca!

VELHO - Por quê?

JOVEM - Porque eu posso fazer alguma coisa.

VELHO – Interessante, mas esperava mais de você.

JOVEM - Não me provoque.

VELHO - Você acha que estou te provocando?

(O JOVEM FICA FURIOSO, NUM MOMENTO DE RAIVA CHEGA MUITO PRÓXIMO DE ATINGIR O VELHO COM A MALA)

VELHO - Eu achava mesmo que você não ia conseguir me atingir. Minto, eu tinha quase certeza. Acho que acertei.

(O JOVEM CAI DE JOELHOS NO CHÃO, COM AS MÃOS FIXADAS AO SOLO E CABISBAIXO)

JOVEM – Por que o senhor está fazendo isso comigo? Não vê que está piorando tudo?

VELHO - Você é quem está estragando as coisas.

JOVEM - (PARA SI, VOZ DE CHORO) Por quê?

VELHO - Jovem.

JOVEM - Que é?

VELHO - Ache menos. O que você procura é a Certeza.

JOVEM - Eu não queria estar aqui. Mas foi assim... Depois que meu irmão se foi, eu acho que não sou mais o mesmo.

VELHO - (NOS OLHOS DO JOVEM) Você é o mesmo.

(O JOVEM COMEÇA A CHORAR, O VELHO CHEGA PERTO DO RAPAZ E OFERECE UM ABRAÇO; OS DOIS SE ABRAÇAM)

JOVEM - (TENTANDO VOLTAR AO NORMAL) O que o senhor faz aqui? (...) Quem é o senhor?

VELHO – Olhe, rapaz... eu não estou aqui para responder seus questionamentos. Seu irmão me disse que você viria até aqui. Fique calmo; você é o mesmo, ele sabe disso. (ABRAÇA-O) Resta a você ter a certeza.